No início do mês de julho, a lei do superendividamento entrou em vigor e trouxe alterações ao Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Idoso.
A proposição nasceu como Projeto de Lei do Senado (PLS) em 2013, fruto dos trabalhos da Comissão Temporária de Modernização do Código de Defesa do Consumidor, mas, somente após 8 anos, a lei foi sancionada e abarcou diversos direitos ao devedor, seja disponibilizando ferramentas para tratamento do superendividamento, seja através de propostas para prevenção através do princípio do crédito responsável.
O superendividamento acontece quando o valor das dívidas do consumidor de boa-fé se torna maior que a sua renda mensal, de uma forma que o devedor não vislumbra meios honrar com o pagamento de todos os credores sem, contudo, comprometer o mínimo existencial para sua sobrevivência.
Para conseguir cumprir com o pagamento de dívidas, o devedor acaba realizando outras. Como acontece, por exemplo, ao realizar um empréstimo bancário para pagamento da fatura do cartão de crédito. Ou, na contratação de novo empréstimo para cumprir com o pagamento do empréstimo anterior.
Com a chamada democratização do crédito, o acesso do consumidor ao crédito tornou-se menos burocrático e mais acessível. Dessa forma, sem uma educação financeira e com o avanço da sociedade de consumo, muitos consumidores acabam chegando a um sem-número de dívidas as quais não conseguem cumprir com a obrigação do pagamento.
E as consequências do superendividamento vão muito além do não pagamento dos débitos assumidos, envolve a exclusão do mercado e, consequentemente, da sociedade de consumo. Neste momento deixa de ser um problema de natureza exclusivamente econômica e passa a atingir a dignidade do indivíduo.
Além dos problemas já existem, e o grande percentual de consumidores inadimplentes no país, após a pandemia do COVID-19, quase 2 milhões de brasileiros encontram-se com nome negativados junto aos órgãos de proteção ao crédito.
O público mais atingido pelos empréstimos consignados, por exemplo, sem dúvida são os idosos. Consumidores hipervulneráveis que são protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Estatuto do Idoso.
Por esse motivo, com a nova lei, além das alterações ocorridas no CDC, também houve alteração na Lei 10.741/03, conhecida como o Estatuto do Idoso. No capítulo que trata sobre os crimes em espécie, a discriminação a pessoa idosa e o impedimento do acesso a operações bancárias continuam incorrendo nas sanções aplicadas pelo Código Penal, entretanto, se a negativa de crédito foi motivada pelo superendividamento do idoso, o impedimento não será caracterizado como crime.
No Código de Defesa do Consumidor, a lei trouxe proteção aos consumidores em relação às cláusulas contratuais que versam sobre limitação ou impedimento do acesso do consumidor aos órgãos do Poder Judiciário, garantindo a nulidade de pleno direito. O mesmo acontece com as cláusulas que estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o reestabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com credores.
A lei traz também obrigações às instituições financeiras e empresas que, agora, deverão a informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos. As ofertas de empréstimo ou de venda a prazo deverão informar ainda a soma total a pagar, com e sem financiamento. Proíbe ainda propagandas de empréstimos do tipo “sem consulta ao SPC” ou sem avaliação da situação financeira do consumidor.
A limitação da atuação das empresas na oferta de crédito, tem foco na necessidade de transparência perante o consumidor nas operações de crédito. O fornecedor, através de uma linguagem clara e acessível, deve prestar todas as informações acerca das condições negociais para censura às práticas comerciais abusivas de sedução na oferta de crédito, garantindo a perspectiva da lealdade e do dever de informação.
Para obter um novo recomeço, a lei estabelece procedimentos específicos destinados a assegurar ao consumidor o direito de renegociar as dívidas.
No tratamento do superendividamento, os consumidores inadimplentes poderão participar de uma sessão de conciliação (judicial ou extrajudicial) para que sejam reunidos todos os credores, com abarcamento de todas as dívidas e formalização de acordo – dentro da possibilidade de pagamento pelo devedor – resguardando o mínimo existencial a sua sobrevivência.
Recomenda-se que nas sessões de tratamento do superendividamento o devedor esteja acompanhado por um advogado de sua confiança ou por um defensor público.
A proposta do plano de pagamento apresentada pelo consumidor deverá ter o prazo máximo de 5 anos, preservando as garantias e forma de pagamento originalmente pactuadas.
Importante! No processo de repactuação das dívidas, somente poderão englobar as dívidas decorrentes da relação de consumo, incluindo, operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada. Entretanto, não poderão fazer parte do processo as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamento imobiliários, de crédito rural e produtos de luxo.
Se não houver êxito na conciliação em relação a qualquer credor, após judicialização do processo de repactuação das dívidas, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório.
Dessa forma, com os direitos trazidos pela nova lei ao Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Idoso, os consumidores obrigatoriamente terão acesso às informações sobre as condições contratuais no momento da oferta do serviço e, os consumidores superendividados, terão uma melhor chance de arcar com o pagamento das suas dívidas garantindo o mínimo existencial, além de retornar ao mercado, deixando de estar às margens da sociedade de consumo.
A aplicação da Lei do superendividamento promete uma nova fase na história do Direito do Consumidor brasileiro.
Por Mariana Golinelhi Ribeiro, Advogada no SV/A – Souza e Vasconcelos Advogados.
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